A Ditadura Militar e o Estado Novo
Dos poucos consensos pragmáticos que havia à direita, o primeiro seria a implicação entre o equilíbrio financeiro (orçamental) e a superação autoritária da crise do Estado liberal sem retorno à «partidocracia». As reformas financeiras facilitaram, porém, um pacto de ordem com as elites militares tornando mais fácil a integração dos republicanos conservadores na União Nacional e o próprio domínio sobre as pequenas franjas fascistas. A terapia financeira da proclamada «ditadura nacional» seria o consumar da obra de «regeneração política», conduzida por Salazar depois da consolidação orçamental apresentada à nação em 1928-1929.
Nascido de uma conspiração, o golpe militar de Braga desceu a Lisboa sem resistência visível, sem qualquer mobilização civil para se lhe opor e sem qualquer projecto alternativo ao liberalismo republicano. A Revolução de Maio tanto cooptou uma parte da elite política do regime deposto como viu acrescentar-lhe nas suas fileiras a oposição monárquica e os jovens fascistas [subsistem algumas dúvidas sobre quem eram na realidade e de onde vieram]. Esta síntese de elementos constitutivos do novo regime instaurou uma ditadura «sem ditador» num regime ainda não institucionalizado, pelo menos até 1933. Apesar deste condicionalismo a prioridade passou a ser o «saneamento financeiro da nação». A incerteza institucional facilitou a ascensão política de António de Oliveira Salazar, com a consequente credibilização pública de algumas reformas por si encetadas a partir de 1929, cujos bons resultados foram desde logo visíveis ao conseguir inverter o défice crónico das contas públicas que se acentuara drasticamente a partir de 1919.
Dos poucos consensos pragmáticos que havia à direita, o primeiro seria a implicação entre o equilíbrio financeiro (orçamental) e a superação autoritária da crise do Estado liberal sem retorno à «partidocracia». As reformas financeiras facilitaram, porém, um pacto de ordem com as elites militares tornando mais fácil a integração dos republicanos conservadores na União Nacional e o próprio domínio sobre as pequenas franjas fascistas. A terapia financeira da proclamada «ditadura nacional» seria o consumar da obra de «regeneração política», conduzida por Salazar depois da consolidação orçamental apresentada à nação em 1928-1929.
Para que fosse possível sair da ditadura e institucionalizar o regime, Salazar conduziu a tarefa de «fazer sair o exército da política», demarcando-se ao mesmo tempo da extrema-direita e abrindo-se à direita monárquica e católica e também, "namorando" o republicanismo conservador. Estes compromissos ficaram bem explícitos na Constituição de 1933, onde o primado da política sobre a economia encontra-se bem expresso no texto constitucional. A regulação pública da vida económica e a proclamação dogmática do princípio das «finanças sãs» manter-se-ão até aos últimos dias do regime.
A grande mudança de Salazar, em parte causada pela crise capitalista de 1929, faz-se pela transição do capitalismo liberal para o capitalismo organizado e para um modelo de economia dirigida mediante a utilização da «fórmula corporativa», aproveitando-se a ocasião para impor a organização corporativa-estatal de múltiplos segmentos da produção e do comércio. Querem melhor prova de que o Estado Novo não era um regime fascista?
O Estado é quem dirige o processo, impõe a economia institucionalizada e comanda a criação de um gigantesco sector público-corporativo da «economia nacional», destinado a deter conflitos económicos e a garantir a paz social. Esta estratégia foi, sem dúvida, a destruição do estado liberal. Segundo a terceira via social-católica, o corporativismo verbera o princípio da «economia liberal», na qual o máximo de utilidade social equivale à soma dos máximos de utilidade individuais e coloca em seu lugar o princípio da utilidade colectiva. Deste postulado - pragmática reelaboração da teoria de valor da escola neoclássica - decorre que só a utilidade colectiva pode legitimar o critério do interesse nacional, cabendo unicamente ao Estado interpretar. Ora, isto é muito diferente do fascismo, que realiza o enquadramento unitário promovendo a mobilização das massas por meio da identificação das reivindicações nacionais.
Enquanto que o autoritarismo corporativista afirma que a utilidade colectiva legitima o interesse nacional que é prerrogativa do Estado interpretar, o fascismo diz o contrário, é o Estado que interpreta e se assume como catalisador de todo e qualquer interesse colectivista. Pode parecer a mesma coisa por caminhos diferentes, mas não é. Os dois sistemas são opostos, o primeiro parte das bases até ao chefe (o Estado), o segundo parte do chefe (o Estado) até às bases. Esta diferença de princípios nunca, ou raramente, foi elucidada e explicitada pelos historiadores económicos, provavelmente por preconceitos ideológicos, fazendo-se crer que o Estado Novo era fascista, quando na realidade nunca o foi.
O Estado novo foi economicamente um sucesso, embora não lhe fosse possível fazer face ao enorme atraso que Portugal manifestava, nem tão pouco poder acudir a todas as assimetrias que cobriam o país, situação que já vinha do século XIX e se agravara muito na 1º República. A excepção foi o período entre entre 1942 e 1947, a crise da guerra e a crise da paz foram marcadas pelas ameaças de revoltas militares palacianas. Depois de debeladas as dificuldades de pagamentos de 1947-1948, com a ajuda do Plano Marshall, as remessas dos emigrantes e as receitas do turismo ao longo dos anos 1950 e 1960, o crescimento económico português segui imparável, com uma taxa média de crescimento anual do produto por habitante de 5,4 %. Nunca antes, desde meados do século XIX, Portugal conhecera tais números.
Continua.
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