A tolerância enquanto conceito é relativamente recente. A tolerância
existe desde sempre, mas apenas a partir do final do Renascimento começa
a ser elaborada no pensamento humano.
A tolerância, na perspectiva cristã, não é nem pode ser um dogma
ideológico, nem sequer um fim último em si, apenas e só pode ser uma
atitude prática e prudente de indulgência perante uma opinião ou algum
comportamento considerados injusto ou injustificável. Ao contrário do
que afirma o dogma moderno de tolerância, a tolerância encontra o seu
fundamento na virtude moral da prudência que nos ajuda a julgar de modo
recto cada caso concreto, aquilo que exige do homem a ordem ética. A
tolerância, no entanto, não é uma virtude, tal como é considerada hoje
pelo dogma moderno. A virtude é uma expressão imediata do bem moral,
enquanto que a tolerância é uma relação que implica o bem, sem ser um
bem em si ou um bem propriamente dito.
Resumindo, a tolerância pode ser justa mas também pode ser imprudente e culpável.
O dogma moderno da tolerância, desenvolvido pelas seitas religiosas dos
séculos XVI e XVII, que se formatou definitivamente na forma que assume
actualmente chegou aos nossos dias através de Locke, Voltaire e Rousseau
e já nada tem a ver com o conceito cristão de tolerância. Já não é uma
tolerância baseada numa atitude prática e prudente que pressupõe a
verdade, é uma tolerância, ou antes, um «tolerantismo» [Mattei; Guerra Justa, Guerra Santa,
2002, p. 96] desenvolvido como um dogma que nega a existência de
qualquer verdade, ou possibilidade de verdade enquanto tal. Seria assim
mais correcto definir esta tolerância como um "indiferentismo absoluto".
Deste conceito enviesado de tolerância gerou-se, inevitavelmente, a
«tolerância intolerante», exemplo flagrante do erro de considerar a
tolerância uma virtude, um dogma intocável.
Podemos exemplificar o erro em si com o caso do pacifismo (há muitos
mais casos parecidos). O pacifismo, nascido das entranhas do
tolerantismo, exalta a paz e condena qualquer tipo de uso de força que
leve a matar alguém, seja pela via da guerra ou pela via da pena de
morte. A perspectiva pacifista considera a guerra um crime legalizado,
mesmo que seja uma guerra defensiva. O que está por detrás deste
conceito pacifista, «tolerantista», é o sonho de uma humanidade em total
comunhão, sem pátrias, com um só credo, e onde as diferenças
ideológicas tenderiam a desaparecer com o tempo. Ora, isto não vos faz
lembrar nada..?
O «tolerantismo», seja pela via do pacifismo ou por outras vias
aparentadas, atribui a mesma concepção axiológica à verdade e ao erro,
ao justo e ao injusto, considerando-as como "expressões subjectivas da
consciência". Isto seria para rir, se não fosse tão sério. A verdade é
subjectiva? o erro é subjectivo?
Estamos aqui em pleno campo do relativismo moral e ideológico, e o
«tolerantismo» afirma, tudo deve ser tolerado, com excepção do que se
opõe ao princípio da tolerância absoluta.
"É preciso que os homens, para merecer a tolerância, comecem por não ser fanáticos" [Voltaire], enquanto Rousseau lançou outra pérola do género: "todas
as opiniões e cultos se podem tolerar, exceptuando a intolerância
católica cuja culpa se relaciona com o facto de afirmar a verdade
exclusiva da Fé". Perante uma burridade destas, que revela não só
desconhecimento dos factos, mas também, ódio e incoerência, só poderia
resultar na «tolerância intolerante» que hoje vigora.
Isto significa que, se a tolerância é um bem absoluto, isto implica que
por sua vez só exista um mal absoluto, um erro absoluto, que se
manifesta na afirmação da verdade. Se a paz material é o bem supremo, só
existe um único mal que é a guerra. Nenhuma guerra pode ser admitida, a
não ser a que for feita contra os integristas que ameacem o valor
absoluto da paz.
O dogma moderno de tolerância, ou seja, a «tolerância intolerante»,
afirma que a mesma só se aplica a quem partilhar os valores da
tolerância absoluta, e todos os que se obstinarem em demonstrar que
existe uma verdade universal e objectiva, não são merecedores de
qualquer tipo de tolerância.
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