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A democracia mal fundada tem as suas origens na Idade Moderna

[1453 - Queda de Constantinopla e início da Idade Moderna]. Segundo a historiografia anglo-saxónica, no campo económico, o início da Idade Moderna remonta apenas a meados do século XVII, cerca de 1650. O que acontece é que nem sempre os movimentos económicos acompanham os movimentos políticos, sociais e culturais. O sentido social da Idade Moderna foram os factores de mudança e do progresso [a Europa domina o mundo], o crescimento urbano, o fortalecimento da burguesia e das classes médias. Mas na verdade, os privilégios das classes altas não terminaram nem foram restringidos, as classes mais baixas continuaram sob domínio das classes mais abastadas.

O crescimento demográfico apenas trouxe, num momento inicial, um incremento de pobreza e de desvalidos com o fim da Idade Feudal a revelar-se um desastre. Embora o feudalismo não terminasse efectivamente, a sua restrição só trouxe mais problemas e desigualdades do que inicialmente previsto. Se a democracia, ainda em estado latente, pensava que resolveria esses problemas, enganou-se bem.

Durante uma boa parte da Idade Moderna prevaleceram monarquias limitadas, onde a autoridade do príncipe estava dependente das condições sociais, ou seja, do relacionamento entre nobreza, clero e cidades. As cidades trouxeram movimentos intelectuais e políticas de natureza republicana, inspiradoras das protodemocracias, favorecendo um processo de centralização e de unificação característicos das monarquias absolutas num movimento que se manteve activo para lá de 1789. Tocqueville afirma que o Estado Liberal, surgido da Revolução, é o produto culminante do processo de centralizador da monarquia absoluta. 

Outra questão, o Renascimento não permitiu o triunfo da burguesia como tal, apenas consolidou a hierarquia tradicional e a nobreza passou a aceitar quem reunisse as condições de fortuna para fazer parte da classe nobre. Uma táctica muito inteligente para continuarem a manter os privilégios perante a desfuncionalidade dos primeiros protótipos democráticos. A burguesia ameaçava com o seu crescente poder económico, desejando retirar daí mais influência social e política. O capitalismo, na sua versão total, despontava, seguiram-se o humanismo, o antropocentrismo, o hedonismo, o optimismo e o racionalismo, provocando o fim do monopólio da igreja católica sobre as mentes culminando na supremacia da razão sobre a fé.

A Revolução Inglesa de 1688 foi a 1ª revolução burguesa, demonstrando na perfeição os antagonismos entre o Estado absolutista e a burguesia que se tornara muito potente economicamente, procurando uma maior afirmação nos campos social e político. As querelas entre católicos e protestantes e entre o rei e o parlamento, são bem demonstrativos da impossibilidade democrática. Para além disso, a Revolução Inglesa está ligada ao conflito de interesses entre uma burguesia em ascensão e uma nobreza senhorial em declínio, com os seus privilégios e antigos direitos postos em causa, e a própria coroa inglesa levou com salpicos deste conflito, ao ser cada vez mais desautorizada.

O acelerado crescimento demográfico do século XVIII foi o corolário lógico de uma mobilidade social que não acompanhava o ritmo científico e económico - manutenção de sistemas feudais - originando as revoluções americana e francesa. A Inglaterra tinha à época as instituições políticas e sociais mais avançadas do mundo. A Revolução Industrial inglesa, de muito perto ligada à Revolução Agrícola, provocou desde muito cedo a diminuição do modo de produção artesanal, com o seu cortejo de desemprego e de baixa de salários. De modo quase simultâneo, a antiga sociedade de ordens era substituída pela sociedade de classes, acabava-se com a condição de nascimento que implicava a pertença a determinada ordem e dando-se uma machadada, quase final, no ideal aristocrático substituindo-o pelo ideal democrático. A Inglaterra apresentava uma monarquia moderada, a França uma monarquia administrativa.

No seguimento da Revolução Inglesa, o sistema de gabinete é o meio de ascensão para o controlo estatal da Upper Middle Class, simultaneamente gentry e burguesia mercantil das cidades e dos portos. [qualquer semelhança com a actualidade não é fictícia, é bem real..] 
Os primeiros Stuarts (1603-1640) favoreceram a alta burguesia em detrimento da gentry, e embora a Revolução de 1688 não alterasse a situação, com a alta burguesia a dominar, no século XVIII com o impulso capitalista deu-se uma fusão entre a gentry e a alta burguesia para domínio do regime parlamentar. 

O parlamentarismo inglês consolidou-se contra o topo da aristocracia fundiária que possuía, não só a terra, mas sobretudo o poder sobre os homens, o poder de jurisdição e o de comando. Ao eliminar os melhores do governo, a democracia nascia torta e dava relevância ao poder económico sobre o poder social e sobre as prerrogativas políticas baseadas na meritocracia das funções e do espírito nacional. 

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