«Em 1911 surgiu um cartaz famoso, intitulado [operários do mundo], representando o que se afirmava ser a Pirâmide do Sistema Capitalista. Ao fundo da pirâmide estavam os bravos homens, mulheres e crianças da classe trabalhadora. Com os seus orgulhosos ombros, fortes mas em esforço, seguravam todo o edifício. [Trabalhamos para todos] e [Alimentamos todos] eram as legendas que acompanhavam a parte mais baixa mas mais fundamental do sistema. Um patamar acima deles, bebendo e comendo com gravatas pretas e fatos de cerimónia, estavam as abastadas classes capitalistas, sustentadas pelos trabalhadores e desfrutando da possibilidade de se divertirem apenas devido ao labor dos outros. [Comemos por vocês], dizia este patamar. Por cima deles estavam os militares («Disparamos sobre ti»). Acima destes, o clero («Enganamos-vos»). E, por cima, o monarca («Governamos-te»). E, finalmente, empoleirado mesmo no cimo da pirâmide, ainda superior ao monarca, estava um grande saco de dinheiro com o símbolo do dólar no exterior. Capitalismo, era a etiqueta para este patamar mais elevado do Estado.
Hoje em dia, uma versão desta imagem antiga chegou ao centro da ideologia da justiça social. Uma das coisas que sugerem as fundações marxistas desta nova estrutura é o facto de o capitalismo ainda se encontrar no topo da pirâmide da opressão e da exploração. Mas os outros patamares superiores desta pirâmide hierárquica estão habitados por diferentes tipos de pessoas. No cimo, estão homens brancos e heterossexuais. Não precisam de ser ricos, mas as coisas pioram se o forem. Por baixo destes tirânicos senhores estão todas as minorias: mais visivelmente os gays, todos os que não são brancos, mulheres e trans. Estes indivíduos são mantidos em baixo, oprimidos, marginalizados e tornados, de várias formas, insignificantes pelo sistema branco, patriarcal e heterossexual.
Tal como o marxismo pretendia libertar os trabalhadores e partilhar a riqueza em redor, nesta nova versão de uma reivindicação antiga, o poder deve ser retirado aos machos brancos patriarcais e partilhado de forma mais justa com os grupos minoritários relevantes.
Na sua origem, esta nova ideologia não foi levada com grande seriedade pelos seus opositores. Algumas das suas reivindicações pareciam tão ridículas e as suas contradições internas eram tão claras que quase não existiu uma crítica coerente. Foi um erro. (...)
Não é de surpreender que os académicos que passaram anos a atamancar as ideias que evoluíram para esta teoria de interseccionar grupos de interesses especiais tenham todos em comum os mesmos interesses históricos. Nenhum académico envolvido na pressão para impor políticas de identidade e interseccionalidade veio da direita conservadora. E há várias razões para isto não ser uma surpresa. Uma é a imparcialidade ideológica que existe na academia. Um estudo de 2006 sobre as universidades dos EUA descobriu que 18% dos professores de ciências sociais se identificavam alegremente como «marxistas». E, embora haja outros departamentos que têm relativamente poucos marxistas, qualquer campo em que um quinto de todos os professores acreditem num dogma extremamente controverso (para dizer o mínimo), pode levantar problemas. O mesmo inquérito conclui que 21% dos professores de ciências sociais de bom grado se identificam como activistas e 24% como radicais. Isto é consideravelmente mais elevado que o número de professores em qualquer campo que se identificam como republicanos.
Mesmo quando não se identifica como tal, a tendência marxista e pós-marxista da esquerda política pode sempre ser reconhecida pelo conjunto de pensadores que cita e reverencia, e cujas teorias tenta aplicar a toda e qualquer disciplina e etapa da vida. De Michel Foucault, estes pensadores absorveram a sua ideia de sociedades não como sistemas extremamente complexos de confiança e tradições que evoluíram ao longo do tempo, mas sempre à luz implacável de quando tudo é visto somente pelo prisma do poder. Ver todas as interacções humanas a esta luz distorce, mais do que esclarece, apresentando uma interpretação desonesta das nossas vidas. Claro que o poder existe como uma força no mundo, mas também a caridade, o perdão e o amor. Se perguntássemos às pessoas o que importa nas suas vidas, muito poucas diriam «o poder». Não por terem absorvido o seu Foucault, mas porque é perverso ver tudo na vida através de lentes monomaníacas.
Porém , para um certo tipo de pessoas obstinadas em encontrar no mundo mais culpa do que perdão, Foucault ajuda a explicar tudo. E o que Foucault e os seus admiradores procuram explicar nas relações pessoais, também procuram explicar a um nível político mais vasto. Para eles, absolutamente tudo na vida é uma escolha político e um acto político.
Os pós-marxistas que procuram explicar o mundo à nossa volta hoje em dia não beberam o prisma que distorce apenas em Foucault e em Marx. De António Gramsci absorveram a sua noção de cultura como força hegemónica cujo controlo é pelo menos tão importante quanto o de classe trabalhadora. Do contemporâneo de Foucault, Gilles Deleuze, absorveram a ideia de que o papel do indivíduo é desmistificar e desfazer a teia que a cultura em que uma pessoa nasceu teceu em volta dela. E constantemente, em todo o lado, está o objectivo - retirado da literatura francesa - de «desconstruir» tudo. «Desconstruir» algo é tão importante na academia como «construir» coisas é para o resto da sociedade. Na verdade, é uma curiosidade da academia em décadas recentes o facto de não ter encontrado praticamente nada que não deseje desconstruir, tirando ela própria.
O processo de desconstrução ocorreu em vários campos, mas em nenhum foi mais rápido ou mais extensivo do que nos rebentos sempre em metástase das ciências sociais. Cursos como «estudos queer», «estudos das mulheres», «estudos dos negros» e outros, cada um no seu próprio campo, trabalharam sempre e em todo o lado para atingir os mesmos objectivos. Sempre referindo os mesmos, aparentemente indispensáveis, pensadores.
A primeira prioridade deste segmento da academia ao longo das décadas recentes - a primeira trama a desfazer - era atacar, sabotar e finalmente derrubar tudo o que antes tinham parecido certezas fixas, incluindo certezas biológicas. Assim, o reconhecimento de que existiam dois sexos diferentes transformou-se na sugestão de que existiam dosi géneros diferentes. E, a partir daí, o argumento foi cuidadosamente conduzido e escoltado até ao que acabou por ser - pelo menos nas universidades - uma conclusão extremamente popular: a de que, na verdade, essa coisa do género não existia. O género não era real, mas sim uma «construção social». O trabalho de Judith Butler, da Universidade de Berkeley, foi particularmente popular. Na perspectiva de Butler o feminismo cometeu um erro ao pensar que existiam categorias como macho e fêmea. Tanto o masculino como o feminino são «culturalmente pressupostos». Na verdade, o género em si mesmo não é mais do que uma «performance social reiterada»e, definitivamente, não o resultado de uma «realidade prévia». Ao mesmo tempo, o mesmo exercício era realizado no estudo dos negros, onde o mesmo trabalho estava a ser feito - com referências ao mesmo conjunto de pensadores - para afirmar que, tal como a raça era, de facto, uma construção social «culturalmente pressuposta» que apenas tinha que ver com uma «performance social reiterada».
Continua.
Queria aqui salientar aos leitores para lerem e meditarem neste trecho; a quantidade de asneiras e de tolices que os departamentos de ciências sociais debitam, não apenas nos EUA, mas um pouco por todo o mundo. Chama-se a isto a desconstrução total do mundo, do homem e de Deus. Mas que espécie de universidades são estas mais os seus professores que ensinam e acreditam em mentiras monstruosas deste calibre?? Este tipo de gente MERECE A FORCA, O FUZILAMENTO EM PRAÇA PÚBLICA.
In Douglas Murray, A Insanidade das Massas, pp. 61, 62 e 63.
Excelente posta, caro Emídio! O mais escandaloso é haver tantos na Direita (ou será a "direita"?) que ainda se recusam a reconhecer esta realidade.
ResponderEliminarEsta passagem, sendo verdadeira, merece uma ressalva:
«nenhum académico envolvido na pressão para impor políticas de identidade e interseccionalidade veio da direita conservadora.»
A ressalva é que, apesar dos interseccionalistas não terem vindo da direita conservadora, a direta neoliberal está a aderir às suas ideias com toda a força. Basta olharmos para a quantidade obscena de dinheiro que as multinacionais norte-americanas doaram aos terroristas do black lives matter nas últimas semanas.
Cumprimentos!
Caro Afonso, a direita neoliberal já há muito que deixou de ser de direita. Tal como acontece com o PSD e até mesmo com o CDS, no caso de Portugal. Hoje por hoje, as direitas dos arcos dos poderes já não se sabe muito bem o que são, talvez sejam ou representem um hibridismo que necessita constantemente de introduzir elementos esquerdistas nos seus programas como forma de se manterem à tona e continuarem a receber alguns votos. Mas está visto que com estas direitas não vamos lá. A única direita mesmo direita é a conservadora, em processo de desaparecimento, mas tenho a sensação que ela está a renascer. Já é visível esse renascimento em países como a Alemanha, França, Inglaterra, Dinamarca, Suécia, e na Polónia, na Hungria, na Eslováquia e em outros países do leste europeu, onde esse processo de desaparecimento do conservadorismo não foi tão notório, a direita continua e continuará a crescer muito. Cumprimentos.
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