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As três eras do capitalismo

 O capitalismo tal como o conhecemos na actualidade é relativamente recente. O capitalismo em si não é a personificação do mal, como hoje alguns o classificam, nem é o melhor dos mundos como outros querem fazer crer. Ele sempre existiu, é inerente à condição humana, e tudo de bom ou de mau que lhe esteja associado relaciona-se com a ética. A ética dos valores que hoje não existe.

O 1º capitalismo surge no século XIX cujo principal intérprete foi a burguesia ligada à indústria e à máquina a vapor. Caracterizou-se pelo sentimento de risco e de inovação de âmbito sobretudo familiar e patrimonial. Os seus principais mentores e reguladores foram os burgueses que detinham o poder, e todas as críticas que lhe foram dirigidas confundiam o discurso de legitimação com o culto do progresso.

O 2º capitalismo conhece a luz do dia a partir do anos 1930 com o advento das grandes empresas e da teoria fordista. O proletariado foi aos poucos compreendendo o equívoco das críticas sociais relativamente ao capitalismo, ao mesmo tempo que passava a fazer parte da classe média. O aumento progressivo dos salários favoreceu o consumo e diminuiu substancialmente os conflitos. A "luta de classes" revelava-se uma mentira. Este 2º capitalismo deu a conhecer a figura do presidente do conselho de administração ou do director da empresa e também, a do gestor empresarial. A legitimidade desta segunda era capitalista estava subjacente ao contínuo aumento do poder de compra, assim como de um certo mérito e competência. A sua legitimidade saiu reforçada, por outro lado, com a redistribuição por parte do Estado assistencial, o chamado "keynesianismo", e com a expansão da classe média. Esta situação durou até à crise petrolífera de 1973.

O 3º capitalismo, de certo modo e na sua fase inicial, continuou a ser um capitalismo desenfreado e enquadrado para um crescimento das classes médias mas só até determinada altura. Esta era dá a conhecer novas figuras nos quadros empresariais; o chefe de planeamento (coach) e o criador de redes (networker) em que as suas funções passam por coordenar a actividade de unidades de duração limitada. Os valores passam a ser outros: a autonomia, a criatividade, a mobilidade, a livre-iniciativa, o convívio laboral e o desenvolvimento dos recursos humanos. A hierarquia conhece novos desenvolvimentos, há menos chefes e mais gestores a trabalhar em equipas. A rigidez e a planificação dão lugar à adaptabilidade, flexibilidade e à comunicação e devido ao aumento de concorrência as empresas deixam de estar fechadas sobre si próprias, transferindo serviços para fora com a precariedade a passar a ser norma. O método fordista está obsoleto; as empresas funcionam em rede e entram na era conexionista cujo fenómeno principal é o desenvolvimento de novas tecnologias. O discurso oficial é o de "uma nova economia"que levará a humanidade a um crescimento duradouro.

Este novo capitalismo é contemporâneo do crescimento imparável dos mercados financeiros, onde o rendimento das taxas de rendimento das bolsas é enorme. Esta tendência é manifesta quando se sabe que uma nova obsessão se apoderou dos investidores - criar valor para o accionista e uma necessidade exorbitante de criar capital -, se até meados dos anos 1980 as taxas de rentabilidade bolsista andavam na ordem dos 4 a 5%, a partir daí as taxas de retorno facilmente chegaram aos 15% e em alguns casos mais.O que se tornou um problema para muitos países, pois o crescimento do PIB dos mesmos dificilmente ultrapassava os 4%. A rentabilidade dos activos económicos deixou de ser medida em função do retorno dos fundos de investimento para ser medida em função de estimativas percentuais com base nas quotas de mercado obtidas ou conquistadas. Assim sendo, o preço da acção é altamente aleatória deixando de ser um reflexo da situação das empresas ou das economias, ou seja, o valor dos títulos já nada tem a ver com o seu valor real. Os preços das acções deixaram de ser medidos mediante a relação entre as taxas de crescimento das economias reais e as taxas de retorno dos títulos financeiros.

O que conta é a riqueza virtual que está em consonância com os objectivos e os desejos ilimitados dos indivíduos - o capitalismo selvagem - que geram críticas de muitos quadrantes. Esta distorção entre economia real e economia financeira, correspondente ao valor da bolsa de valores e valor agregado, assim como entre consumidor e accionista, alimenta a ilusão de que a acumulação de valores mobiliários é equivalente à produção de bens. E daqui surge a "famosa bolha especulativa". E ela continua a inchar para um dia rebentar, estrondosamente.

Esta nova versão capitalista, cozinhada certamente nos meandros da maçonaria anglo-saxónica, dominam o mercado accionista em todo o mundo. Por outro lado, e de modo abusivo e criminoso, os fundos de pensão, que são privados, são hoje investidos nos mercados financeiros em busca de mais lucro. Segundo dados do departamento financeiro americano, os seus activos aumentaram entre 1950 e 2000 de 17 biliões de dólares para quase 5 triliões!! O risco inerente aos investimentos bolsistas em fundos de pensões pode causar o colapso desses mesmos fundos de pensão se a bolha rebentar definitivamente. O que se passou em 2008 foi um aviso! Para além de que esta é uma forma, muito subtil, de transferir os riscos financeiros antes suportados por empresas e governos, para os funcionários expostos ao risco de um crash bolsista. De modo paralelo, os fundos de pensão são um dos principais factores da instabilidade financeira mundial, uma vez que os seus influxos maciços de capital causam uma sobrevalorização artificial que alimenta sem cessar a "bolha" especulativa, ao mesmo tempo que nenhum impacto positivo se faz notar na economia real. Os investidores institucionais mudaram a face do capitalismo - de selvagem passou a destruidor - e os mesmos têm os meios e o poder de pressão suficiente para impor novas regras de gestão, diminuindo a margem de manobra dos Estados. Esta nova dinâmica, este novo estilo, aliados aos objectivos e necessidades de uma economia virtual controlada pelos accionistas de "grande porte" foi imposta em todos os países e em todas as bolsas mundiais.

Com os capitais de risco, stock options, accionistas assalariados (os de grande porte), conseguiram atribuir prioridade ao modelo corporativo de governo, exigindo o retorno praticamente imediato dos investimentos. Seja através de fusões empresariais, de participações cruzadas e de aquisições no mercado de acções, eles conseguem o seu poder através do poder absoluto dos mercados. Não esqueçamos, por outro lado, que a convergência económica é hoje o postulado principal da "nova economia", cujo método consiste em aplicar aos Estados nacionais a mesma pauta de leitura aplicada às empresas para avaliar a sua competitividade. O perigo está bem à vista quando a referência básica da  convergência económica é o modelo económico americano, esquecendo ou ignorando, pura e simplesmente, as particularidades e condicionalidades culturais, sociais e institucionais de cada país, interpretando esses problemas como um "atraso" decorrente da situação local. 

Segundo a óptica americana, isto resulta igualmente do facto de os outros países serem classificados de acordo com a lacuna que apresentam relativamente aos EUA, um país jovem que destruiu as anteriores socializações e que é, por inerência, a terra do sujeito mercantil por excelência. Uma terra onde tudo se vende e se compra, seja a consciência, o bom senso, a alma ou a família. A maioria dos analistas americanos, assim como a maioria dos investidores de "grande porte", querem aplicar às restantes economias as ferramentas conceptuais usadas para analisar a sociedade americana, assumindo que sejam necessárias e mais do que suficientes. Não lhes interessa minimamente se o sistema americano representa uma excepção à diversidade de situações existentes no resto do mundo.

Ora não fica difícil perceber porque estamos como estamos. Com os governos manietados pelo grande capital e pela voracidade dos mercados e dos accionistas, dependentes dos fundos para relativizarem as dívidas públicas e continuarem a serem merecedores de crédito, nada de bom se pode esperar para o homem e para o aforrador que corre o risco de ver as suas poupanças destruídas. É a lei do mercado que comanda os destinos da humanidade, uma era onde tudo se vende e tudo se compra em que a dignidade humana e os valores da ética foram reduzidos a títulos, mercados de acções, participações, mais valias e lucro, muito lucro para muito poucos cada vez mais poderosos.

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