São diversos os autores que consideram
que a instauração do Estado Novo (primeiro da ditadura militar) ocorreu
num período de relativa estabilidade económica e financeira. Ora, não se
compreende de onde retiram essa ideia, porque os números apresentados
contrariam claramente essa tese. Provavelmente, a insuportabilidade da
verdade histórica incomoda-os, mais do que o rigor das contas públicas!!
Outros investigadores, nomeadamente Fernando Costa Pinto, consideram
que os grandes saldos negativos das contas públicas a partir de 1919
podem dever-se à fuga de capitais que não foram compensadas por aumentos
nas remessas dos emigrantes. Em alternativa, considera o mesmo que
esses saldos negativos podem igualmente ser uma consequência da
sub-facturação das exportações portuguesas ou da sobre-facturação das
importações portuguesas pelas empresas de importação-exportação. Mesmo
tendo em conta qualquer uma dessas situações, nada justifica a actuação
no plano económico da 1º república que foi manifestamente desastrosa.
O facto é que entre 1919 e 1926 o regime viveu de forma periclitante,
sempre em plano inclinado e descendente. Eram cada vez em maior número
as pessoas que viravam costas à república, descontentes com o agravar
das condições, a massa operária criou sindicatos revolucionários
inspirados no anarco-sindicalismo e no comunismo (o PCP foi fundado em
1921), ao mesmo tempo que a burguesia exigia uma liderança mais forte,
mais musculada, que pudesse controlar a agitação social e recolocar a
ordem pública nos eixos.
As crises e escândalos financeiros e económicos eram muito frequentes - a
célebre burla de Alves dos Reis, que acabou com o Banco Angola e
Metrópole, desprestigiando fortemente o Banco de Portugal -, e pelo meio
o aumento médio do custo de vida elevava-se a 2600% entre 1914 e 1924
por via da inflação galopante e da desvalorização monetária. A violência
urbana de milícias e gangues armados também ajudou ao descalabro, a
célebre "Noite Sangrenta" de 19 de Outubro de 1921, onde uma série de
figuras conservadoras importantes, incluindo o Primeiro-Ministro António
Granjo e um dos heróis do 5 de Outubro, Machado Santos, foram
capturados e mortos em Lisboa.
A instabilidade política atingiu o paroxismo com a fragmentação
partidária inviabilizando os esforços dos sucessivos governos para
segurarem o poder e procederem a reformas. O campo republicano, no
centro-esquerda, conheceu uma divisão verdadeiramente fraticida entre os
«bonzos» de António Maria da Silva (sucessor de Afonso Costa na
liderança do Partido Democrático) e os «canhotos» de José Domingues dos
Santos. De igual modo o élan cultural e moral da propaganda ideológica
republicana, simplesmente se ficou pelos slogans, originando uma enorme
«traição dos intelectuais» à medida que os homens da escrita, os
filósofos e pensadores iam descobrindo e teorizando outros modelos de
organização colectiva para Portugal. Foram exemplos o Integralismo Lusitano de António Sardinha, à direita, e a revista Seara Nova de António Sérgio, à esquerda.
Entre os principais falhanços da 1º república, para além dos campos
político e económico, temos a questão da alfabetização da população que
era muito baixa à época. Os seus resultados foram muito modestos,
poderíamos dizer, um falhanço total. É certo que a constante
instabilidade política inviabilizava qualquer investimento sério na
estrutura pública da educação e na provisão de meios para formar
professores, mas, de qualquer modo, os números são elucidativos, na
última década da monarquia a taxa de escolarização passou de 22,1% para
29,3% e de 1910 a 1920 os números só foram melhorados em 1% e entre 1920
e 1926 pouco mais de 1,5%!! Ora, fez mais a monarquia pela
escolarização nos seus últimos anos de vigência do que a republica em 16
anos. O mesmo se passou com o analfabetismo que baixou nos últimos 10
anos da monarquia de 74,5% para 70,3% do que a república que desceu os
números apenas em 4,1% nos anos 16 anos de vigência.
Muitos dos que tinham aplaudido a democracia republicana de 1910
ansiavam por ordem, disciplina, segurança, estabilidade, autoridade e
hierarquia, no fundo, ideias antidemocráticas. Em 16 anos as pessoas
ficaram mais do que fartas da república e da sua pseudo-democracia, o
cenário doméstico, e até internacional, começava a favorecer uma solução
autoritária - não propriamente a breve experiência sidonista de 1917 -
muito mais duradoura.
Continua.
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