Avançar para o conteúdo principal

Porque só falam no Estado Novo e esquecem a vergonhosa 1ª república? Parte III

 

Nascido de uma conspiração o golpe militar de Braga desceu a Lisboa sem resistência visível, sem qualquer mobilização civil para se lhe opor, sem qualquer projecto alternativo ao liberalismo republicano. A Revolução de Maio tanto cooptou uma parte da elite política do regime deposto como viu acrescentar-lhe nas suas fileiras a oposição monárquica e os jovens fascistas [subsistem algumas dúvidas sobre quem eram na realidade e de onde vieram]. Esta síntese de elementos constitutivos do novo regime instaurou uma ditadura «sem ditador» num regime ainda não institucionalizado, pelo menos até 1933. Apesar deste condicionalismo a prioridade passou a ser o «saneamento financeiro da nação». A incerteza institucional facilitou a ascensão política de António de Oliveira Salazar, com a consequente credibilização pública de algumas reformas por si encetadas a partir de 1929, cujos bons resultados foram desde logo visíveis ao conseguir inverter o défice crónico das contas públicas que se acentuara drasticamente a partir de 1919.



Dos poucos consensos pragmáticos que havia à direita, o primeiro seria a implicação entre o equilíbrio financeiro (orçamental) e a superação autoritária da crise do Estado liberal sem retorno à «partidocracia». As reformas financeiras facilitaram, porém, um pacto de ordem com as elites militares tornando mais fácil a integração dos republicanos conservadores na União Nacional e o próprio domínio sobre as pequenas franjas fascistas. A terapia financeira da proclamada «ditadura nacional» seria o consumar da obra de «regeneração política», conduzida por Salazar depois da consolidação orçamental apresentada à nação em 1928-1929.
Para que fosse possível sair da ditadura e institucionalizar o regime, Salazar conduziu a tarefa de «fazer sair o exército da política», demarcando-se ao mesmo tempo da extrema-direita e abrindo-se à direita monárquica e católica e também, "namorando" o republicanismo conservador. Estes compromissos ficaram bem explícitos na Constituição de 1933, onde o primado da política sobre a economia encontra-se bem expresso no texto constitucional. A regulação pública da vida económica e a proclamação dogmática do princípio das «finanças sãs» manter-se-ão até aos últimos dias do regime.

A grande mudança de Salazar, em parte causada pela crise capitalista de 1929, faz-se pela transição do capitalismo liberal para o capitalismo organizado e para um modelo de economia dirigida mediante a utilização da «fórmula corporativa», aproveitando-se a ocasião para impor a organização corporativa-estatal de múltiplos segmentos da produção e do comércio.  
 
Querem melhor prova de que o Estado Novo não era um regime fascista? 

O Estado é quem dirige o processo, impõe a economia institucionalizada e comanda a criação de um gigantesco sector público-corporativo da «economia nacional», destinado a deter conflitos económicos e a garantir a paz social. Esta estratégia foi, sem dúvida, a destruição do estado liberal. Segundo a terceira via social-católica, o corporativismo verbera o princípio da «economia liberal», na qual o máximo de utilidade social equivale à soma dos máximos de utilidade individuais e coloca em seu lugar o princípio da utilidade colectiva. Deste postulado - pragmática reelaboração da teoria de valor da escola neoclássica - decorre que só a utilidade colectiva pode legitimar o critério do interesse nacional, cabendo unicamente ao Estado interpretar. Ora, isto é muito diferente do fascismo, que realiza o enquadramento unitário promovendo a mobilização das massas por meio da identificação das reivindicações nacionais.


Enquanto que o autoritarismo corporativista afirma que a utilidade colectiva legitima o interesse nacional que é prerrogativa do Estado interpretar, o fascismo diz o contrário, é o Estado que interpreta e se assume como catalisador de todo e qualquer interesse colectivista. Pode parecer a mesma coisa por caminhos diferentes, mas não é. Os dois sistemas são opostos, o primeiro parte das bases até ao chefe (o Estado), o segundo parte do chefe (o Estado) até às bases. Esta diferença de princípios nunca, ou raramente, foi elucidada e explicitada pelos historiadores económicos, provavelmente por preconceitos ideológicos, fazendo-se crer que o Estado Novo era fascista, quando na realidade nunca o foi.

O Estado novo foi economicamente um sucesso, embora não lhe fosse possível fazer face ao enorme atraso que Portugal manifestava, nem tão pouco poder acudir a todas as assimetrias que cobriam o país, situação que já vinha do século XIX e se agravara muito na 1º República. A excepção foi o período entre entre 1942 e 1947, a crise da guerra e a crise da paz foram marcadas pelas ameaças de revoltas militares palacianas. Depois de debeladas as dificuldades de pagamentos de 1947-1948, com a ajuda do Plano Marshall, as remessas dos emigrantes e as receitas do turismo ao longo dos anos 1950 e 1960, o crescimento económico português segui imparável, com uma taxa média de crescimento anual do produto por habitante de 5,4 %. Nunca antes, desde meados do século XIX, Portugal conhecera tais números.

Continua.   

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O marquês de Pombal, o analfabetismo, o atentado a D. José e a fraude pandémica

O atraso de Portugal, quer a nível económico, quer a nível social ou a nível cultural, começa em meados do século XVIII. Passada a fase de grande prosperidade com D. João V e a chegada ao poder de D. José I, a liberdade e a alfabetização de Portugal sofreram um grande retrocesso. Esta tendência "suicida" de destruir o bom que já vinha de trás é paradigmática do processo de involução que este país tem vindo a sofrer desde há pelo menos 300 anos. A fase de fraude pandémica é apenas o corolário lógico de um acumular de farsas e mentiras. Quando os factos são conhecidos, não há surpresa quanto ao atraso de Portugal relativamente à Europa civilizada.  O nosso atraso nada tem a ver com a religião católica como de modo totalmente leviano e com uma boa dose de ignorância se afirma nos livros de história, tese partilhada e difundida por muitos historiadores. O nosso atraso começa com um dos maiores crápulas da nossa história, precisamente, o marquês de Pombal. Afirmar que os país

Revisionismos - a decadência moderna de Portugal

Há um movimento decisivo na história das nações europeias, 1789, a data charneira, que iria acelerar os processos de desmantelamento da civilização judaico-cristã. O Portugal da transição do século XVIII para o XIX ainda vivia à margem dos efeitos revolucionários franceses, com o país a fruir de vantagens e de estabilidades decorrentes da sua posição geográfica e de porta de entrada na Europa. A geografia, desde sempre, representou e representa um papel de primordial importância na história das nações. Portugal é um caso paradigmático da sua excelente posição geográfica dentro do contexto europeu e mundial. Até aos anos imediatamente antes das invasões napoleónicas, as relações com França eram boas, as alianças externas do reino estavam perfeitamente estabelecidas e consolidadas, para além dos domínios do ultramar se revelarem tranquilos com ausência de problemas de segurança nas vias marítimas. Mas tudo se começaria a alterar a partir de 1797, com o infame Tratado de Fontainebleu. Na

As conexões entre o comunismo e a maçonaria

«Até à revolução russa em França, assim como em outros países e também na Rússia, os franco-mações militavam nos partidos aderentes à 2ª internacional socialista (fundada em 1889, após a dissolução de 1880 da 1ª internacional fundada em Londres em 1864). Numerosos maçons socialistas viram com bons olhos a primeira fase da revolução russa que, com Kerensky, trazia para o poder numerosos irmãos. Uma parte deles aprovaram com entusiasmo a revolução dos sovietes instigada por Lenine e Trotsky. [...] No 2º congresso da 3ª internacional socialista realizada entre 9 de Julho e 7 de Agosto de 1919, em Petrogrado e depois em Moscovo, elaboraram-se as condições exigidas aos partidos socialistas para se transformarem em comunistas. O texto compunha-se de 21 condições para a adesão à 3ª internacional socialista que ficou célebre pelo nome "das 21 condições de Moscovo". [...] a 22ª condição: irmão ou camarada, é preciso escolher. O facto é que a maioria dos maçons ignora