O termo "Revolução" tem uma conotação ambígua na intelectualidade do século XX e do ainda curto século XXI. Muitas vezes é necessário um certo distanciamento temporal para entender bem o que se passou, o que motivou as ditas Revoluções e se as mesmas se justificaram ou não, se as suas causas implícitas estão alinhadas com as causas explícitas. Tantas e tantas vezes, tantos e tantos estudos, perspectivas e crenças, mescladas com ideologias e ódios de estimação, mostram-nos, de modo indelével, que nem sempre as causas correspondem ao que se seguiu. Isto é, muitas vezes as consequências estão antecipadas às causas e nem sempre, por perfídia e invejas classicistas, como sucedeu em diversos períodos históricos, as Revoluções serviram o que delas se esperava, mas sim, serviram outros objectivos que não os inicialmente propagandeados.
Como dizia e muito bem Fernando Pessoa: «Uma revolução é uma forma violenta de deixar tudo como estava...», não foi bem com estas palavras, mas o sentido das mesmas serve perfeitamente para o que quero aqui frisar. Ora acontece que, por vezes, há situações e pormenores que nos passam despercebidos.
Isto a propósito de um dia destes, estando eu imerso nas minhas leituras e pesquisas, ter encontrado um pequeno trecho de um texto de um tal José Jobson de Andrade Arruda, professor auxiliar da Universidade de S. Paulo com o título: "Perspectivas da Revolução Inglesa", na Revista de História Brasileira. Duas correntes principais de estudo se confrontam neste estudo em particular. Uma diz que a Revolução Inglesa foi o princípio do fim da predominância aristocrática e dos sectores clericais e a outra diz que tudo se resumiu à ascensão burguesa e à libertação dos sectores camponeses. Na realidade as duas correntes estão inextrincavelmente ligadas.
No livro de C. Hill, The English Revolution,1640, London, Lawrence & Wishart, 1940, p. 6: podemos ler o seguinte:
«A revolução Inglesa de 1640-60, foi um grande movimento social como a Revolução Francesa de 1789. O poder do Estado protector da velha ordem essencialmente feudal foi violentamente destruído e o poder passou para as mãos de uma nova classe, e assim o livre desenvolvimento do capitalismo tornou-se possível. A Guerra Civil foi uma luta de classes, na qual o despotismo de Carlos I foi defendido pelas forças reacçionárias da igreja e dos terratenentes reacçiónários. O Parlamento atacou o rei porque pôde apelar para o apoio entusiástico das classes comerciantes e industriais do campo e da cidade, os yeomen e a gentry progressista, assim como amplas massas da população, onde quer que fossem capazes de entender, pela livre discussão, que a luta era iminente.»
Houve quem considerasse e negasse o sentido revolucionário deste movimento, analisando-o e entendendo-o de um modo conservador, ou seja, perante a divisão dentro da própria elite aristocrática e política inglesa, tudo se resumiria à divisão e às diferenças insanáveis entre a Corte e o reino (a coroa). Nesta visão a Revolução não foi um movimento verticalizado que dividiu a aristocracia, a gentry e as oligarquias mercantis. No limite, passou a considerar-se que o próprio conceito de Revolução, aplicável aos movimentos sociais, políticos e económicos do século XVII, era discutível e que deveria ser analisado dentro do contexto próprio dos homens do século XVII.
Entre os autores antigos, Hobbes por exemplo, não utilizava o termo no seu sentido político, preferindo usar expressões como "revolta", "rebelião" ou "subversão". Já Loecke aplicava o termo para significar um ciclo político completo esgotado e substituído por uma restauração. Isto significa que comentadores políticos, como os dois atrás citados, ao não utilizarem a expressão "Revolução" de modo explícito, preferindo outros termos por se inserirem num contexto social muito específico, que apenas via o desordenamento social e não a sua transformação, justifica a perspectiva conservadora associada a esta Revolução (inglesa) em concreto. Mas é evidente que classificá-la como conservadora, tendo em conta as forças e demais interesses envolvidas na mesma, é muito redutor e simplista. Factores como a emergência do puritanismo inglês, uma espécie de resposta teológico-política para as incoerências sociais dos séculos XVI e XVII, tal como as consequências da crise populacional, a inflação, a descoberta do Novo Mundo e respectiva colonização e a Reforma religiosa provocaram uma brusca mudança nas estruturas político-sociais. Deste modo, o conservadorismo da Revolução defendido por alguns autores antigos e actuais (do século XX, como Chalmers Johnson, Perez Zagorin e J. H. Hexter), não pode ser levado em conta, ou quando muito, é uma perspectiva com muitas falhas e ideias desconexas.
A Revolução Inglesa serviu igualmente para comparações com as Revoluções seguintes, nomeadamente a americana, a francesa e a russa. O pioneiro neste tipo de análises revolucionárias comparativas foi B. R. Merriman, no seu livro, Six Contemporaneous Revolutions, Oxford, Clarendon Press, 1958. Procura-se neste livro definir os denominadores comuns entre essas revoluções, que se manifestaram por mudanças económicas e sociais, especialmente, na ascensão social de certos grupos ou classes, presença e declínio de intelectuais alienados, elites ineptas e corruptas e crises financeiras dos governos. No seguimento deste livro e deste tema de estudo em concreto, surgiria outro escrito em 1967, com tradução em Português pela Editora Cosmos, intitulado "As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia - Senhores e Camponeses na Construção do Mundo Moderno", da autoria do sociólogo Barrington Moore Jr., onde o mesmo traçou um quadro comparativo muito interessante sobre as revoluções inglesa e francesa e sobre as revoluções americana e chinesa (esta já no século XX).
Procurou demonstrar que a actuação da aristocracia rural e dos camponeses no âmbito das revoluções burguesas levam ao aparecimento da democracia capitalista; a não afirmação das revoluções burguesas levam ao surgimento do fascismo e o êxito da revolução camponesa, sem as aristocracias rurais, leva ao comunismo. Esta sua tese é interessante e não desprovida de razão. Mas claro que outros factores têm de ser tidos em conta, não esquecendo, por exemplo, que na Revolução Francesa a burguesia apenas conseguiu chegar ao poder apoiando-se no pequeno campesinato e na pequena burguesia, e eventualmente, nos trabalhadores das manufacturas. Ora isto significa que a revolução burguesa em França foi um fracasso, o que não possibilitou a transformação capitalista da agricultura e da pequena empresa, nem tão pouco um acelerado processo de urbanização, o mercado interno não cresceu, as classes trabalhadoras não foram dinamizadas e, deste modo, limitada a possibilidade de uma futura revolução proletária, contrariamente ao que aconteceu na Revolução Russa de 1917.
Muitos campos de estudo se abrem mediante estas diferentes perspectivas de olhar e pensar as revoluções, quer as antigas quer as mais modernas e recentes.
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