«A Revolução continuava na sua insanidade. Na noite de 30 de maio de 1793, Duval que salvara o meu pai dos massacres da Abadia de Paris, foi ter com os jacobinos para averiguar dos seus estados de espírito. Ao regressar informava-nos que a raiva dos demagogos estava virada para ele, o que nos devia preocupar enormemente, havendo a possibilidade de nessa mesma noite virem buscar o meu pai para o sacrifício final. Pouco após, os irmãos Richard, um capitão o outro sargento da Guarda Nacional, vieram aconselhar-nos a fugir, para a periferia de Paris. Seguimos o conselho e saímos todos pela calada da noite em direcção à aldeia de Colombes, onde a minha mãe tinha uma amiga fiel.
(...) Esta fuga repentina marcou-me profundamente, havendo muito poucas épocas da minha vida que estivessem tão presentes no meu espírito. Os dias passaram, calmamente e tranquilos, mas tudo se alteraria a partir de outubro de 1793. Estava escrito nos anais da história que o solo da França seria regado com o sangue dos seus súbditos. Os meus pais foram detidos e conduzidos aos jacobinos da rua de Saint-Dominique, onde o comité revolucionário da Fontaine de Grenelle tinha uma prisão cheia de pessoas. Permitiram-me vê-los, deslocando-me à prisão todas as manhãs. Passava o resto dos dias a tentar convencer os membros do comité a terem clemência dos meus pais...
(...) Raisson presidia ao comité, homem frio, de olhar distante e extremamente mau. Acabara de designar a minha família como uma das primeiras a serem proscritas, dando como justificativa "a consideração à causa monárquica". Consegui, depois de muitas insistências, que a minha mãe fosse solta e regressasse a casa, por via do seu cada vez mais fraco estado de saúde.
Passaram dois meses e a cada dia, novos julgamentos do Tribunal revolucionário anunciavam a catástrofe que se aproximava. Houve uma altura em que propuseram ao meu pai a fuga de França para evitar subir ao cadafalso, mas horrorizado, recusou, dizendo que não deixaria assim a sua mulher doente e os seus filhos ao dispor dos carrascos. (...)
Em meados de janeiro de 1794 estive pela última vez com o meu pai. Eram onze da noite, tinham-lhe dado autorização para vir a casa ver a minha mãe, paralítica, cada vez mais debilitada e frágil. A determinado momento a porta abriu-se e entravam dois membros do comité revolucionário da secção de Bondy. Um deles era um tal de Hoerot, um corcunda com fisionomia feroz, famoso pelos seus discursos atrozes e por ser um badalhoco cínico. Cidadão - disse virado para o meu pai - tenho ordens para o levar para o Luxemburgo. O que fez ele para merecer essa sorte? - questionou-o a minha mãe - não tivemos nós um comportamento exemplar? Cidadã - interrompeu-a o corcunda - muitos outros nos disseram o mesmo, com as suas cabeças a rolarem sobre o soalho do cadafalso.
O meu pai precipita-se para os braços da minha mãe e logo de seguida o corcunda e o soldado que o acompanhava arrancam-no do leito conjugal de espada em riste, dissuadindo-me de tentar qualquer coisa. Já depois da meia-noite lá seguiu o meu pai, de mãos e pés atados, numa carroça puxada a quatro cavalos. A secção de Bondy encontrara protestos assinados pela maior parte dos membros do parlamento, onde se incluía a assinatura do meu pai, o que precipitou as medidas repressivas contra ele. No dia 19 de abril a maior parte dos membros do parlamente que estavam presos compareceram novamente perante o Tribunal revolucionário. Estava próxima a hora do suplício final. Já imaginava o seu sangue a escorrer, o meu pai, o meu respeitável e venerável pai, a nossa ilustre família destituída dos seus pergaminhos e enlameada nos horrores do suplício. Passei a noite em convulsões, o que me deu uma sensação de morte iminente.
(...) Do alto do Tribunal revolucionário, um homem chamado Coffinhal, ousara perguntar o nome a cada um dos implicados, interrogá-los, declará-los culpados e enviá-los para a morte... (...)
Transcrição feita da revista: Revue Des Deux Mondes de 1 de Abril de 1941, pp. 264 a 270.
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